Parece haver vários elementos comuns entre o ócio, o jogo e a brincadeira. Estes três temas/processos produzem aprendizagens, criatividade e reflexividade no viver do ócio e do lazer, no viver o jogo e no brincar. E nesses processos há comunicação, consigo próprio, através da reflexão com o eu em comparação com o outro, seja o outro eu, seja o outro com quem se joga ou brinca. E comunicação é mediação, seja intramediação, nessa autocompreensão e autodefinição de si em que a reflexão é fulcral para a definição da autoidentidade, seja intermediação com o(s) outro(s) com quem se brinca ou joga, sejam eles pares ou gerações mais velhas ou mesmo mais novas.
Para Erickson (1976), o jogo acaba por ser autoterapêutico na medida em que através dele as crianças conseguem obter e recuperar segurança e tranquilidade bem como, através de diversas mediações por parte de pares e adultos significantes, acaba por ser um instrumento construtor de identidades. O mesmo se aplica, cremos, aos adultos, onde o ócio é vital para uma vida saudável e geradora de projetos pessoais e sociais com sentido para os mesmos.
Por outro lado, num tempo de tanto consumismo e produtivismo que a sociedade industrial quis naturalizar como modernidade, interrompido agora pela clausura imposta pelo combate ao Covid19 que assola o planeta desde dezembro de 2019, pensar o ócio, o jogo e a brincadeira é vital para o desenvolvimento de tempos e espaços mais lúdicos e mais humanos.
A escola e as empresas, valorizam atitudes e valores conducentes ao desenvolvimento dos mercados. O estímulo ao ócio e o desenvolvimento de processos educativos sobre o tempo livre parece vital para a (re)construção de modelos sociais mais humanos e verdadeiramente mais desenvolvidos. O tempo livre pode constituir, justamente, a oportunidade de desenvolvimento pessoal onde o ócio poderá ser a forma de o obter através da participação livre e autónoma de cada pessoa nas diversas ações, se realizadas com motivação e prazer.
Com tempo livre, a criança pode escolher o que fazer, o que brincar. E o desenvolvimento da sua autonomia decorre muito das oportunidades de escolha que tenha ao longo da vida. É assim que o brincar se torna numa atividade produtora de aprendizagens realizadas com prazer (Neto, 2003). E na interação com os pares e adultos, vai vivendo e gerindo tensões e conflitos, alargando a sua racionalidade, intercompreensão, empatia, observação e escuta ativa, pilares fundamentais da mediação Intercultural.
Com tempo livre e ócio, os adultos e todos os humanos podem contemplar o belo, a arte e a vida. E podem reconstruir-se bem como projetar reconstruções socioculturais.
Como nos ensinou J. Huizinga, o jogo introduz as regras, convencionais, mas também a possibilidade de as reconstruir, mediar e gerir com os outros. O jogo engloba o lúdico, mas não se esgota nele. Embora sobrepostos, o jogo e a ludicidade completam-se e ajustam-se em sucessivas sobreposições de significados, normalmente mediados pelos mais velhos ou pelos líderes do grupo.
Por outro lado, o jogo também foi sendo estudado como competição, como combate, como conflito e até guerra: os jogos de força, de destreza, os de sorte, de destino, etc. são alguns exemplos.
O jogo traz a simulação, o “faz de conta,” o simbólico das relações sociais e contribui para o desenvolvimento das crianças que não são apenas tagarelas, mas também curiosas, animadas (não precisam de ânimo), brincalhonas; têm humor, são inquietas, querem descobrir, são encantadas, fascinadas, cooperativas, solidárias e por isso é preciso descobrir e conhecer todas essas capacidades como sendo parte da epistemologia da criança (Iturra, passim) e não como a miniaturização dos adultos e do social formalista.
A produção do brinquedo pela própria criança é já em si uma brincadeira ou um jogo que serve de “introdução ao mundo” da criança (Amado, 2002). Ou, como referem Iturra e Reis (1990: 24), “[...] o jogo é um texto onde se aprende a fabricar o código das relações sociais indispensáveis para a fabricação do quotidiano”.
No fundo, o Ócio, o Jogo e a Brincadeira, produzem imensas aprendizagens e são mediados não só por terceiras pessoas, mas também pelas circunstâncias sociais da história de vida dos implicados, como queremos discutir, aprofundar, sistematizar e viver na 8.ª conferência de Mediação Intercultural e Intervenção Social nos dias 27 e 28 de novembro de 2020.
Venham refletir, jogar e brincar connosco!
Referências bibliográficas
Amado, J. (2002). Universo dos Brinquedos Populares, Coimbra: Quarteto Editora.
Erickson, E. (1976). Brinquedos e Razões, in Infância e Sociedade, Rio de Janeiro: Zahar, pp. 192-226.
Huizinga, J. (2015). Homo Ludens, Lisboa: Edições 70.
Iturra, R. e Reis, F. (1990). O Jogo Infantil numa Aldeia Portuguesa, Guarda: Associação de Jogos Tradicionais da Guarda.
Neto, C. (2003). Jogo & Desenvolvimento da Criança, Lisboa: Faculdade de Motricidade Humana.
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